Luiza Só

Monday, February 05, 2007

conexão direta, século XXII



Porto Alegre, 5 de fevereiro de 2107.

Caminho pelas ruas de Porto Alegre. Cidade dos meus ancestrais, dos meus avós, dos meus pais, e minha, mais por comodidade que por afeto. Repetindo um hábito antigo, que carrego comigo por força dos genes, pois necessito executá-lo mais do que desejo, caminho com uma exatidão de passadas, mas sem qualquer espécie de rumo traçado racionalmente, deixando-me guiar pelas linhas inexatas das calçadas. O calor infernal de janeiro, que se dá cada vez com força maior e mais mortífera, impede os transeuntes de manterem-se muito tempo fora dos estabelecimentos. É triste esse ritmo a que se submetem os portoalegrenses, e, pelos efeitos dos efeitos, grande parte do planeta. Os que se arriscam a ser pedestres são relativamente poucos, chega a ser prova de coragem, andar por entre os carros e seus pequenos mundos condicionados no interior, e mais, sob o sol escaldante da cidade. Os que andam dedicam-se a planejar um roteiro meticuloso, ruas que englobem no mínimo uns 2 estabelecimentos por quadra, para terem refúgio a cada cinqüenta metros de tortura solar.
Refugio-me sob um sombreiro, evitando os olhares de mestres da ridicularização alheia -que não me atingem, mas que prefiro desviar, por pura preguiça revolucionário-mental-. Ser Pedestre no século XXII é uma revolta solitária, visto que já são pouquíssimos que aderem a ela. Mas ser pedestre é mais que isso, hoje. O que anda a pé, simboliza a liberdade que nos foi tomada ao longo dos anos. Com o superpovoamento do mundo, do continente, do país, do estado, e bom, da pequena Porto Alegre, os Estados precisaram criar maneiras de controlar o formigueiro urbano. A saída aqui, devido a diversidade de fenótipos, foi criar um rodízio humano para freqüentar a cidade (e já não está funcionando bem, espero que não caiamos nas tatuagens numéricas), em cada dia, certo número de pessoas é permitido às ruas (o que, devido à tecnologia, não impede grandemente o funcionamento das cousas). Os que não se submetem a tal, arriscam a vida a cada saída, munidos apenas de seus sapatos. pés-solas-ruas escaldantes.